quarta-feira, 31 de outubro de 2012

GESTÃO E LIDERANÇA POLÍTICO-PEDAGÓGICA

GESTÃO E LIDERANÇA POLÍTICO-PEDAGÓGICA

MARIA JOSÉ PEREIRA DANTAS 
REVISTA PRINCIPIA Nº 19/2011

Resumo: Este texto tem como objetivo desenvolver uma discussão acerca da intervenção e liderança político-pedagógica dos gestores no processo de escolarização, focando aspectos da gestão escolar, do currículo e da prática pedagógica e social O texto discute a necessidade dessa intervenção pedagógica, coletiva e emancipatória, principalmente, no que diz respeito aos aspectos acadêmicos e pedagógicos que no contexto das relações sociais e de poder enfrentam e provocam embates no próprio campo pedagógico, ideológico, político e da gestão escolar. Toma o caráter político-pedagógico como uma intencionalidade refletida no coletivo escolar a respeito de interesses e concepções sobre o conhecimento, a escola, o currículo, sociedade e diversidade que devem (ou deveriam) se reverter em avanços relativos à prática pedagógica da instituição. O que implica coordenação democrática, no seu autêntico sentido, envolvendo todos os sujeitos e todas as instâncias formativas no interior da escola. E, dependendo da porosidade existente nas relações direção, equipe pedagógica e docente, comunidade local e comunidade escolar, haverá uma gestão mais propícia (ou menos propícia) a reflexão sobre o projeto político-pedagógico da instituição. Em síntese, o texto conduz ao reconhecimento da perspectiva político-pedagógica da gestão na educação, como uma quebra do paradigma da administração científica fundamentada no método orientado pelos princípios da racionalidade limitada, da linearidade, pela busca de soluções tópicas localizadas e restritas e pela fragmentação e redução dos processos educacionais a tarefas exercidas sem vida e sem espírito.

Palavras-Chave: gestão, educação, prática pedagógica, mediação, emancipação

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A implementação das leis 10.693/2003 e 11.645/2008 - que obrigam o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena


A implementação das leis 10.693/2003 e 11.645/2008 - que obrigam o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena [1]
Maria José Pereira Dantas*[2]

                                                                                
A implementação das leis 10.693/2003 e 11.645/2008 - que obrigam o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena – nos convida a percorrer a memória de lutas sociais e assumir novos desafios ideológicos relativos à educação de novas gerações. E não dá para percorrer a memória histórica sem perpassar pelo histórico de militância do movimento negro que segundo Jair Silva (2012), representante do Movimento Negro de Campina Grande/PB, requer  a cidadania plena para a juventude negra excluída das políticas públicas e  combate ao monstro da discriminação racial.
A Constituição Federal/1988 (artigo 215, § 1º) prevê a proteção do Estado para as manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras, bem como para outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, entretanto, são as leis 10.693/2003 e 11.645/2008 que têm provocado a mediação, um rito de passagem, uma via de acesso ao currículo - eurocêntrico, dogmático - da escola brasileira, imprimindo-lhe a diversidade cultural e étnica, possibilitando às novas gerações a interação e o contato  com a ANCESTRALIDADE a FORÇA, ENERGIA - que veio antes mas que se faz presente no agora - e a MEMÓRIA depositária dos demais valores civilizatórios (religiosidade, corporeidade, musicalidade, cooperativismo, ludicidade, oralidade, circularidade etc.) estruturada pelo pensamento dialético de tradicionalidade & autenticidade e ancestralidade & contemporaneidade; uma experiência atualizada no calor das lutas afrodescendentes, africana e indígena.
Esses conhecimentos precisam entrar na roda (circularidade), no movimento que não tem início nem fim, no processo da coletividade, onde todas as pessoas podem se ver na narrativa histórica. Precisam sair dos arquivos da tradição dos grupos civilizatórios da sociedade brasileira. E nesse movimento cíclico de exaltação e convite a um diálogo -“a identidade dos afrodescendentes precisa ser diuturnamente considerada pelo sortilégio da cor, numa evocação dos ausentes, dos silenciados e dos aprisionados.” (NASCIMENTO, 1980, p.78)
Essas leis estão incorporadas à LDB e precisam ser somadas a outros instrumentos jurídicos -Declaração dos Direitos Humanos/1948 , ideal comum de povos e nações; Constituição Federal do Brasil-CF/1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA/1990) - e assim constituírem ferramentas pedagógicas (literalmente ou decodificados) em favor da promoção de direitos, da denúncia da violação e da formação para a cidadania.
Nessa perspectiva, direitos e garantias fundamentais (CF da República do Brasil/1988, artigo 5º) indicam meios para a realização plena da condição humana e norteiam os instrumentos políticos e jurídicos na conquista e na efetivação de direitos, como o direito a igualdade – relativa à essência da condição humana e às oportunidades reais e materiais, sem contudo, implicar desrespeito ou desvalorização das diferenças naturais, biológicas, étnicas e culturais.
Instrumentos jurídicos como a Constituição Federal, a Declaração dos Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN dão expressão aos anseios e reivindicações de diversos segmentos da sociedade brasileira e correspondem aos princípios políticos e jurídicos/constitucionais, bem como aos objetivos fundamentais da República brasileira - “construir uma justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e promover o bem de todos, sem prejuízo de origem, raça, sexo, cor e idade” (Constituição Federal do Brasil/1988, artigo 3º).
Nesse sentido, podemos afirmar que o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) mudou os paradigmas que fundamentavam a relação sociedade x crianças e adolescentes, principalmente com os que habitavam na rua. A mudança se expressa na forma como passa a ser concebida a responsabilidade pela existência “dos meninos e meninas de rua”, saindo do âmbito do indivíduo para ser considerada responsabilidade coletiva, isto é, do Estado e da sociedade civil. E nesse processo a educação tem um papel categórico, não é neutra e na sua dinâmica expressa as posturas e concepções perante a realidade social, reafirmando e/ou negando interesses consolidados quanto ao processo da desigualdade social/racial.
A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD do Ministério da Educação introduz  a discussão sobre fundamentos culturais e educacionais de Educação em Direitos Humanos - EDH _ Zenaide, et al (2008, p.6), afirmando que “políticas amplas de educação em direitos humanos que pautem o respeito e a valorização da diversidade em suas várias formas constituem um desafio para o campo da educação no Brasil.” E que fomentar a EDH além de informar e formar sobre direitos humanos e suas relações com os contextos sociais em que vivemos constitui-se uma oportunidade de se refletir o papel da escola, suas práticas e rotinas, bem como possibilita processos metodológicos participativos e construção coletiva da aprendizagem, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados que respeitem e valorizem as diferenças e enfrentem as desigualdades, ensejando o desenvolvimento de educandos/as e para a ressignificação contínua da práxis do/a educador/a.
De acordo com Elio Flores (2008, p.35) existe uma grande variedade de documentos relativos aos direitos humanos e às questões de etnia e etnicidade (Declaração Universal sobre Diversidade Cultural e Plano de Ação, da UNESCO, e os Relatórios do Desenvolvimento Humano, RDH – 2004, Liberdade Cultural num Mundo Diversificado, do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento Humano) disponíveis no sítio eletrônico www.dominiopublico.gov.br além dos disponibilizados pelas Instituições internacionais - ONU e a UNESCO e no Brasil pelos ministérios: MEC/SECAD (Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), MJ/FUNAI (Ministério da Justiça/Fundação Nacional do Índio) e MC/FP (Ministério da Cultura/Fundação Palmares).
Tornar a educação cúmplice dos processos de transformação implica termos posicionamento ético-político e uma defesa do projeto educacional pelo qual estaremos dispostos a construir todos os diálogos para efetivá-lo. Nessa tarefa também é desafio a busca e o delineamento dos conhecimentos que historicamente não tiveram evidência, mas que são essenciais “para desviar o curso do destino histórico-sociológico trágico e destrutivo”(Macedo, 2000, p.54) que foi traçado para os excluídos. Essa busca, na perspectiva das leis 10.693/2003 e 11.645/2008, significa uma construção de novos caminhos e novas chegadas, tanto pelo conhecimento em si, como pela afirmação de identidade, necessária à valorização do educando para seu desempenho no aprendizado e na vida.
Segundo Marle de Oliveira Macedo (2000, p.47-75) o Brasil foi o país ocidental que mais tardiamente acabou com a escravidão, abandonando os escravos à própria sorte, sem acesso a terra e a educação, retirantes que se empilharam nas periferias da cidade, perdendo seus filhos e suas esperanças nas grandes metrópoles – herdeiros de uma escravidão, da dor, do abandono e da impotência, que os escravos foram relegados pelo país ao final do sistema escravista. Suas marcas e fendas continuam presentes na sociedade, expressas na discriminação racial e social, na violência, na miséria urbana, na pobreza, no desemprego, na injustiça etc.
Ainda segundo a autora, esses herdeiros, assim constituídos por nada terem de seu, herdaram os espaços de cidade  e ocuparam, com todo o risco social e pessoal que isso acarreta para eles e para a sociedade como um todo.
Ainda é corrente, que a vertente histórico-cultural negra/africana fundamental na constituição do conjunto brasileiro de civilização, permanece exilada do sistema de educação formal. Sobre  isto Ferreira (1992) afirma em Macedo (2000, p.67)
As consequências desse exílio são desastrosas. Aqui um povo se ignora. Desconhece a sua história, o processo de sua formação, o sentido (e a razão). De sua fisionomia atual. Mas será necessário suprir esta carência até mesmo para que se torne viável  a construção entre nós de uma didática da academia, para além de qualquer exclusivismo discriminatório.
Esse fato embruteceu gerações, tanto de estudantes negros quanto de brancos, impedindo-nos de sermos seres realmente livres – livres dos preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males.
Embora os mais renomados cientistas sociais do mundo contemporâneo defendam a idéia de que as raças não existem, as expressões raça e racismo se tornaram comuns nas línguas nacionais desde o século 19. Mesmo concordando que as raças não existem, a expressão se vincula a imagens biológicas, estereótipos, pigmentação da pele etc. – daí denominações como branco europeu, ou negro africano, ou amarelo asiático que na verdade não expressam racismo, uma vez que o racismo se torna evidente quando um determinado grupo étnico é inferiorizado por outro pelo fato de ser diferente e, por ser diferente, passa a ser discriminado e perseguido e a sofrer privações.
Parafraseando Elio Flores (2008, p. 23-28), a expressão etnia comporta mais significados do que raça. Os grupos sociais, produtores de bens materiais e culturais, possuem identificações étnicas; postulam origem, memória e história comuns que os remetem a uma ancestralidade. A etnia se configura, nas sociedades históricas, como um elemento político de caráter tático e estratégico, expressa uma realidade cultural na qual as pessoas que formam um determinado grupo étnico, se baseiam na percepção comum e experiências espirituais compartilhadas e, com freqüência, visam superar privações materiais. Os grupos étnicos são dotados de mobilidade, contato, informação e identidade: seus membros se identificam e são identificados por outros como diferenciáveis.


As sociedades indígenas, por exemplo, que no processo de colonização, início do século XVI, sofreram privações relativas aos seus recursos naturais pelos europeus, seus bens culturais (danças, música, festas) e espirituais (crenças, deuses, ritos) e inferiorização, além de serem perseguidos para que fossem extintos, nesse processo em que os movimentos sociais fortalecidos nas etnias e ancestralidades indígenas, se constituem nos grandes atores sociais, tais sociedades se inserem nas tensões e dilemas nacionais contemporâneos, resgatando as etnias indígenas, lutando pela igualdade dispostas a reivindicarem a diferença, seus territórios e culturas, bem como reafirmando políticas emancipatórias e de elaboração das novas cidadanias indígenas pela igualdade de direitos e justiça, a partir de suas diferenças culturais e históricas.
Segundo Elio Flores (2008, p.25),
“No Brasil, são cada vez mais crescentes as lutas dos povos indígenas pelas terras da Amazônia e pelos recursos naturais que dizem lhes pertencer desde antes da chegada dos portugueses. Em todos esses casos, um traço de ancestralidade tornou-se o elemento de unidade política para valorizar as tradições étnicas e os seus direitos humanos”.
Ainda Segundo o autor, o retorno dessas identidades ancestrais não pode ser classificada como racistas. E que no Brasil outro exemplo extraordinário tem sido a valorização da ancestralidade africana pelos movimentos negros contemporâneos. Como é sabido, o que as primeiras elites republicanas, mesmo os setores abolicionistas, almejavam era o desaparecimento da população negra do cenário social para que predominasse o perfil europeu. Transcendendo para as suas gerações o posterior desejo de branquitude no pigmento da pele e do pensamento, pelo cultivo das tradições européias no Novo Mundo. Desta forma, a população negra não só resistiu à longa exclusão social e econômica do período republicano, mas lutou pelo reconhecimento político de seu protagonismo histórico, a exemplo dos movimentos quilombistas em defesa da identidade étnica – afrodescendentes, afro-brasileiros e negros. E como seus ancestrais, continuam a criar e recriar as Áfricas vivas no Novo Mundo. E ainda, diante do reconhecimento festivo da sociedade brasileira  aos italianos, alemãs. sírio-libaneses, portugueses  e japoneses no Brasil e, sem preconceito ou racismo, aos seus descendentes como ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, luso-brasileiros, nipo-brasileiros, etc. que transcenda esses mesmos interesses ideológicos para o reconhecimento dos direitos étnicos de indígenas e afrodescendentes sem que seja considerado racismo.
No Brasil o movimento negro alimenta a luta histórica pela igualdade racial e pela incorporação dos excluídos à sociedade. O movimento em que ao mesmo tempo integra, produz cultura  e saber cultural, um patrimônio a ser respeitado. Inclusive influencia no setor jurídico e nas políticas públicas, além de provocar espaço para produção científica relativa a cultura e a história afro-brasileira e africana e sua publicação no setor editorial.
Desde o princípio a luta dos negros, após a abolição da escravatura, pautava o direito a instrução (educação formal). Por exemplo o JORNAL QUILOMBO (1948-50) –  coluna “Nosso Programa” 1ª edição  informava ser necessário “lutar para que, enquanto não for gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficias de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares” (Florestan Fernandes em 1951 (1978:09, 275-276).Essa educação era concebida como fator de integração sócio-econômica, muito embora essa busca não tenha sido suficiente para a ascensão social e a mobilidade vertical individual ou coletiva. E ao se  constatar historicamente que a escola perpetua desigualdades raciais ao pregar a educação formal de embranquecimento cultural eurocentrista e de ostentação dos Estados Unidos da América, de desqualificação do continente africano e inferiorização dos negros, registra-se historicamente que a memória da matriz africana é parte inalienável da consciência brasileira.
Então, os movimentos sociais negros e intelectuais negros militantes passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, na perspectiva da educação, o estudo da história do continente africano e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional brasileira. Parte desta reivindicação já constava na declaração final do Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, no qual recomendou-se, dentre outros pontos, o estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo” (NASCIMENTO, 1968: 293 apud SANTOS, 2005, p.23)
Carlos Hasenbalg (1987), afirma em Santos (2005, p.24) que a agenda de reivindicações das entidades negras contemplava áreas como: racismo, cultura negra, educação, trabalho, mulher negra e política internacional. E na educação, dentre outras as reivindicações eram contra a discriminação racial e a veiculação de idéias racistas nas escolas; por melhores condições de acesso ao ensino à comunidade negra; reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel do negro na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas e pela participação dos negros na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares.
De acordo com Santos (2005, p. 25)  pontos pautados pela histórica reivindicação dos movimentos sociais negros foram atendidos pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 1990, a exemplo, da revisão de livros didáticos ou mesmo a eliminação de vários livros didáticos em que os negros apareciam de forma estereotipada representados como subservientes, racialmente inferiores, entre outras características negativas. Bem como as pressões anti-racistas e legítimas dos movimentos sociais negros, políticos de diversas tendências ideológicas, em vários estados e municípios brasileiros, reconheceram a necessidade de reformular as normas estaduais e municipais que regulam o sistema de ensino.
Os movimentos sociais negros, bem como muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira. [...] A lei federal, simultaneamente, indica uma certa sensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos negro e anti-racista brasileiros, como também indica uma certa falta de compromisso vigoroso com a sua execução e, principalmente, com sua a eficácia, de vez que não estendeu aquela obrigatoriedade aos programas de ensino e/ou cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, das universidades públicas e privadas, conforme uma das reivindicações da Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília-DF, em agosto de 1986 (SANTOS, 2005, p. 34).
Destarte, podemos afirmar que a pressão dos movimentos sociais negros  e de intelectuais engajados na luta pela igualdade racial junto ao Estado brasileiro  ainda se faz necessária para que esta Lei seja executável.
O Terceiro Setor, constituído por um universo diverso de organizações - fundações, ONGs, associações comunitárias, comissões de defesa do consumidor e muitas outras -, integra essa luta pela igualdade racial e pela inclusão de excluídos na sociedade, oportunizando-lhes a cidadania.
As ONGs, por exemplo, têm sua importância política e social; mesmo que pese sobre algumas delas a relação pragmática e clientelista com o Estado. Além de vincularem-se à redefinição das relações entre o Estado e a sociedade as ONGs representam uma forte demanda por participação social nas decisões públicas. Buscam universalizar valores éticos, produzir  conhecimento e cultura, qualificar a luta da população e gerar novos comportamentos e sensibilidades.
Nacionalmente, o Projeto Axé[3] – Salvador-BA, se constitui um patrimônio pedagógico, uma inscrição social, cuja proposta pedagógica vem deixando um lastro de inclusão, com o apoio de uma ONG italiana, Terra Nova, cuja finalidade é prestar serviços de educação e defesa de direitos à criança e adolescente em circunstâncias especialmente difíceis.
De acordo com Macedo (2000, p.67-68), desde o início do Axé, estava claro o sentimento de exclusão que os estudantes vivenciavam, expresso na condição racial (negros) e social, nos estigmas e falta de perspectiva de futuro e foi considerando essa realidade que a proposta pedagógica tomou a cultura  de origem desses estudantes como seu suporte, sua fonte vital de energia e de desejo de superação dessa realidade. Essa cultura tomada como estratégia sociológico-pedagógica de inclusão social, através da apropriação, pelos estudantes, de seus signos e símbolos, de forma positiva, se faz na perspectiva de alteridade, do reconhecimento das diferenças, da diversidade e da singularidade de grupos e indivíduos da complexa teia social, atentando-se também para o fato de que a cultura é permeável e de que não se pode querer atrelar educandos/as a valores dogmáticos particulares e exclusivistas, tolhendo-lhes a liberdade e o sentimento de universalidade a que têm direito.
Na perspectiva do projeto Axé, “trabalhar manifestações de arte articuladas à história  e à cultura  das quais se é portador, reforça a dimensão de si mesmo e do mundo ao redor de cada um o que, por sua vez, dá a consciência do poder de se transformar o mundo e nesse processo, universalizar-se.” Macedo (2000, p.69)
A realização da política regulamentada nas leis 10.693/2003 e 11.645/2008, isto é, tirar as definições do papel pressupõe a abertura e a manutenção de um diálogo com a tradição cultural e étnica, pessoas, movimentos sociais e instituições que atuando  em diferentes áreas de conhecimento/ação, possam somar no sentido da implementação destas leis.
As instituições devem deflagrar esse processo de permanente diálogo interno e externo, tornando-se permeável às ideias que articulam à sua volta, promovendo seu enriquecimento – parcerias com outras organizações sociais, instituições públicas ou privadas -, bem como viabilizar a formação de Núcleos que disponibilizem conteúdos, informações para o universo de professores  e de estudantes que articulem  com as organizações sociais permanentes diálogos entre o saber popular e o científico.
A reflexão sobre as relações raciais devem está incorporada no planejamento escolar e aos agentes sociais que integram o cotidiano da escola. E são as instituições em nível municipal, estadual e federal que viabilizarão os objetivos  de oferecer às professoras e aos professores informações e conhecimentos estratégicos para a compreensão e o combate do preconceito e da discriminação raciais nas relações pedagógicas e educacionais das escolas brasileiras, em outras palavras do racismo brasileiro.

REFERÊNCIAS

Flores, Elio Chaves. Nós e eles: etnia, etnicidade, etnocentrismo. In Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Zenaide, Maria de Nazaré Tavares, et al.  Editora Universitária/UFPB, 2008.
Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003
Lei 11.645 de 10 de março de 2008
Macedo, Marle de Oliveira. O cenário da Exclusão Social – uma tentativa de desconstrução. In Plantando Axé: uma proposta pedagógica. Reis, Ana Maria Bianchi (org.) et al.São Paulo. Editora Cortez. 2000. (p.47-75).
MEC – Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
MEC/BID/UNESCO - Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília. 2005.
NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo: documentos de uma militância panafricanista. Petrópolis: Vozes, 1980.
Reis, Ana Maria Bianchi (org.) et al. Plantando Axé: uma proposta pedagógica. São Paulo. Editora Cortez. 2000.
Santos, Sales Augusto dos. A lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. MEC/BID/UNESCO - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília. 2005.
Zenaide, Maria de Nazaré Tavares, et al. Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2008.




[1] Texto apresentado no 3º FÓRUM DE LIDERANÇA NEGRA DA PARAÍBA, compondo a  Mesa Redonda: Implementação da Lei 10.639/2003 e das cotas raciais nas instituições de ensino.(12/04/2012)
[2] Maria José Pereira Dantas professora (SEDEC/PMJP) e Pedadoga (IFPB), mestranda em Ciências da Educação – UTIC –PARAGUAI
[3] Ver PLANTANDO AXÉ:uma proposta pedagógica/ Ana Maria Bianchi dos Reis (organização). São Paulo. Editora Cortez. 2000.