As perspectivas das leis étnico-raciais incorporadas ao planejamento e apropriadas pelos sujeitos que integram o cotidiano da escola


As perspectivas das leis étnico-raciais incorporadas ao planejamento  e apropriadas pelos sujeitos  que integram o cotidiano da escola[1]

Maria José Pereira Dantas- IFPB[2]

RESUMO

Este texto ao analisar a implantação das leis étnico-raciais nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, perpassa a memória de lutas sociais e destaca o planejamento como aporte teórico-metodológico e mediação entre os novos desafios ideológicos/pedagógicos e o currículo eurocêntrico e dogmático da escola brasileira, na perspectiva da diversidade étnico-racial  e  resgate de conhecimentos (etnias negra e indígena), historicamente exilados do currículo. O Planejamento é proposto como  Méthodos de Trabalho do educador (pessoal e coletivamente), como postura e como forma de organizar a reflexão e a ação, de superação da alienação e de reapropriação da existência. O desejo, a vontade consciente de elaboração e realização.  A partir do conhecimento dessa realidade projetar a finalidade, esboçar o plano e agir. O plano de ação  representará um projeto intencional da escola, vai além do operacional, é político intervém na realidade, resultante  da consciência e da vontade de superação da concepção eurocêntrica de currículo. 
Palavras chaves: educação, planejamento,  currículo, sujeitos, reflexão

1. INTRODUÇÃO

Ao tomar como objeto de estudo a implantação das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 - que obrigam o ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena no currículo oficial da rede de ensino – inevitavelmente temos que percorrer a memória de lutas sociais e assumir novos desafios ideológicos e pedagógicos relativos à educação de novas gerações. E não dá para percorrer a memória histórica sem considerar o histórico de militância desses movimentos, especificamente do movimento negro, pela cidadania plena da juventude negra e pelo combate a discriminação racial.
A Constituição Federal/1988 (artigo 215, § 1º) prevê a proteção do Estado para as manifestações das culturas populares indígenas e afro-brasileiras, bem como para outros grupos participantes do processo civilizatório nacional, entretanto, são as leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que têm provocado a mediação, um rito de passagem, uma via de acesso ao currículo eurocêntrico e dogmático da escola brasileira, imprimindo-lhe a diversidade cultural e étnica, possibilitando às novas gerações a interação e o contato com a ancestralidade (a força, a energia  que veio antes, mas que se faz presente no agora) e com a memória (depositária dos demais valores civilizatórios: religiosidade, corporeidade, musicalidade, cooperativismo, ludicidade, oralidade, circularidade etc.) estruturada pelo pensamento dialético de tradicionalidade & autenticidade e ancestralidade & contemporaneidade. Uma experiência atualizada no calor das lutas afrodescendentes, africana e indígena.
Esses conhecimentos precisam entrar na roda (circularidade), no movimento, no processo da coletividade, onde todas as pessoas possam se identificar na narrativa histórica dos grupos civilizatórios da sociedade brasileira. E nesse movimento cíclico de exaltação e convite a um diálogo “a identidade dos afrodescendentes precisa ser diuturnamente considerada pelo sortilégio da cor, numa evocação dos ausentes, dos silenciados e dos aprisionados.” (NASCIMENTO, 1980, p.78)
Essas leis, supramencionadas, estão incorporadas à LDB e precisam ser somadas a outros instrumentos jurídicos como a Declaração dos Direitos Humanos/1948, um ideal comum de povos e nações, a Constituição Federal do Brasil_CF/1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente­_ECA/1990 e assim se constituírem ferramentas pedagógicas, literalmente ou decodificadas, em favor da promoção de direitos, da denúncia da violação e da formação para a cidadania.
Nessa perspectiva, direitos e garantias fundamentais/constitucionais (CF do Brasil/1988, artigo 5º) indicam meios para a realização plena da condição humana e norteiam os instrumentos políticos e jurídicos na conquista e na efetivação de direitos, como o direito a igualdade relativa à essência da condição humana e às oportunidades reais e materiais, sem contudo, implicar desrespeito ou desvalorização das diferenças naturais, biológicas, étnicas e culturais.
Instrumentos jurídicos como a Constituição Federal, a Declaração dos Direitos Humanos, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN dão expressão aos anseios e reivindicações de diversos segmentos da sociedade brasileira e correspondem aos princípios políticos e jurídico-constitucionais, bem como aos objetivos fundamentais da República brasileira - “construir uma sociedade justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e promover o bem de todos, sem prejuízo de origem, raça, sexo, cor e idade” (CF do Brasil/1988, artigo 3º). E, nesse processo, a educação tem um papel categórico, não é neutra e na sua dinâmica expressa as posturas e concepções perante a realidade social, reafirmando e/ou negando interesses consolidados quanto ao processo da desigualdade social/racial.
2. DESENVOLVIMENTO
Tornar a educação cúmplice dos processos de transformação implica termos posicionamento ético-político e uma defesa do projeto educacional pelo qual estaremos dispostos a construir todos os diálogos para efetivá-lo. Nessa tarefa também é desafio o resgate dos conhecimentos que historicamente não tiveram evidência, mas que são essenciais “para desviar o curso do destino histórico-sociológico trágico e destrutivo” (MACEDO, 2000, p.54), que foi traçado para os excluídos. Essa busca, na perspectiva das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, significa uma construção de novos caminhos e novas chegadas, tanto pelo conhecimento em si, como pela afirmação de identidade, necessária à valorização do/a estudante para seu desempenho no aprendizado e na vida.
Segundo Marle de Oliveira Macedo (2000, p. 47-75), o Brasil foi o país ocidental que mais tardiamente acabou com a escravidão, abandonando os escravos à própria sorte, sem acesso a terra e a educação, retirantes que se empilharam nas periferias da cidade, perdendo seus filhos e suas esperanças nas grandes metrópoles – herdeiros de uma escravidão, da dor, do abandono e da impotência, que os escravos foram relegados pelo país ao final do sistema escravista. Suas marcas e fendas continuam presentes na sociedade, expressas na discriminação racial e social, na violência, na miséria urbana, na pobreza, no desemprego, na injustiça etc.
Ainda, segundo a autora, esses herdeiros e herdeiras, assim constituídos por nada terem de seu, herdaram os espaços de cidade e ocuparam, com todo o risco social e pessoal que isso acarreta para eles/elas e para a sociedade como um todo. Além de ser corrente, que a vertente histórico-cultural negra/africana fundamental na constituição do conjunto brasileiro de civilização, permanece exilada do sistema de educação formal.
Sobre  isto, Ferreira (1992) afirma em Macedo (2000, p.67)
As consequências desse exílio são desastrosas. Aqui um povo se ignora. Desconhece a sua história, o processo de sua formação, o sentido (e a razão). De sua fisionomia atual. Mas será necessário suprir esta carência até mesmo para que se torne viável a construção entre nós de uma didática da academia, para além de qualquer exclusivismo discriminatório.
Esse fato embruteceu gerações, tanto de estudantes negros/as quanto de brancos/as, impedindo-nos de sermos seres realmente livres dos preconceitos, dos estereótipos, dos estigmas, entre outros males.
Embora os/as mais renomados/as cientistas sociais do mundo contemporâneo defendam a idéia de que as raças não existem, as expressões raça e racismo se tornaram comuns nas línguas nacionais desde o século 19. Mesmo concordando que as raças não existem, a expressão se vincula a imagens biológicas, estereótipos, pigmentação da pele etc. – a exemplo das denominações branco europeu, negro africano, amarelo asiático -que, por si mesmo, não expressam racismo, uma vez que o racismo se torna evidente quando um determinado grupo étnico é inferiorizado por outro pelo fato de ser diferente e, por ser diferente, passa a ser discriminado e perseguido e a sofrer privações.
Parafraseando Elio Flores (2008, p. 23-28), a expressão etnia comporta mais significados do que raça. Os grupos sociais, produtores de bens materiais e culturais, possuem identificações étnicas; postulam origem, memória e história comuns que os remetem a uma ancestralidade. A etnia se configura, nas sociedades históricas, como um elemento político de caráter tático e estratégico, expressa uma realidade cultural na qual as pessoas que formam um determinado grupo étnico, se baseiam na percepção comum e experiências espirituais compartilhadas e, com freqüência, visam superar privações materiais. Os grupos étnicos são dotados de mobilidade, contato, informação e identidade: seus membros se identificam e são identificados por outros como diferenciáveis.
As sociedades indígenas no processo de colonização do Brasil, início do século XVI, sofreram privações relativas aos seus recursos naturais pelos europeus, aos seus bens culturais (danças, música, festas) e espirituais (crenças, deuses, ritos), além da inferiorização. Em outras palavras, foram perseguidos na tentativa de sua extinção. E nesse processo em que os movimentos sociais, fortalecidos nas etnias e ancestralidades indígenas, se constituem  grandes atores sociais, tais sociedades se inserem nas tensões e dilemas nacionais contemporâneos, resgatando as etnias indígenas a partir de suas diferenças culturais e históricas, lutando por seus territórios e culturas, bem como reafirmando políticas emancipatórias e de elaboração das novas cidadanias indígenas pautadas na igualdade de direitos e justiça.
Segundo Elio Flores (2008, p.25),
No Brasil, são cada vez mais crescentes as lutas dos povos indígenas pelas terras da Amazônia e pelos recursos naturais que dizem lhes pertencer desde antes da chegada dos portugueses. Em todos esses casos, um traço de ancestralidade tornou-se o elemento de unidade política para valorizar as tradições étnicas e os seus direitos humanos.
Ainda segundo o autor, o retorno dessas identidades ancestrais não pode ser classificado como racista. E que, no Brasil, outro exemplo extraordinário tem sido a valorização da ancestralidade africana pelos movimentos negros contemporâneos. Sendo importante enfatizar que as primeiras elites republicanas, mesmo os setores abolicionistas, almejavam o desaparecimento da população negra do cenário social para que predominasse o perfil europeu. Transcendendo para as suas gerações o posterior desejo de branquitude no pigmento da pele e do pensamento, pelo cultivo das tradições européias no Novo Mundo. Desta forma, a população negra não só resistiu à longa exclusão social e econômica do período republicano, como também lutou pelo reconhecimento político de seu protagonismo histórico, a exemplo dos movimentos quilombistas em defesa da identidade étnica – afrodescendentes, afro-brasileiros/as e negros/as. E seus ancestrais, continuam a criar e recriar as Áfricas vivas no Novo Mundo.
É importante enfatizar que não é concebido como preconceito ou ‘racismo’ o fato da sociedade brasileira comemorar civicamente a participação dos povos italianos, alemãs, sírio-libaneses, portugueses e japoneses no Brasil, bem como reconhecer  seus descendentes ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, luso-brasileiros, nipo-brasileiros, etc. Por que se concebe como racismo  reconhecer direitos étnicos de indígenas e afrodescendentes?
Nesse sentido, o movimento negro alimentou e continua alimentar a luta histórica pela igualdade racial e pela incorporação dos excluídos à sociedade, ao mesmo tempo em que integra e produz cultura e saber cultural, um patrimônio a ser respeitado. Inclusive influenciando no setor jurídico e nas políticas públicas e, como consequência  histórica, provoca   a produção científica e didática sobre história e  cultura afro-brasileira e africana.
Desde o princípio a luta de negros e negras, após a abolição da escravatura, pautava o direito a instrução (educação formal). Por exemplo, Abdias do Nascimento defendeu na 1ª edição do jornal O QUILOMBO (1948-51) que era necessário “lutar para que, enquanto não for gratuito o ensino em todos os graus, sejam admitidos estudantes negros, como pensionistas do Estado, em todos os estabelecimentos particulares e oficias de ensino secundário e superior do país, inclusive nos estabelecimentos militares.” Essa educação era concebida como fator de integração sócio-econômica, muito embora essa busca não tenha sido suficiente para a ascensão social e a mobilidade vertical individual ou coletiva. E ao se constatar historicamente que a escola promove a educação formal calcada num currículo que prega o embranquecimento cultural eurocentrista, constatou-se, também,  a perpetuação das desigualdades raciais e a negação da  memória da matriz africana, tornando-a parte inalienável da consciência brasileira.
Então, os movimentos sociais negros e intelectuais negros/as militantes passaram a incluir em suas agendas de reivindicações junto ao Estado Brasileiro, na perspectiva da educação, o estudo da história do continente africano e de africanos e africanas, a luta de negros  e negras no Brasil, a cultura negra brasileira e a matriz africana  na formação da sociedade nacional. Parte desta reivindicação já constava na declaração final do Congresso do Negro Brasileiro, promovido pelo Teatro Experimental do Negro (TEN), Rio de Janeiro, entre 26 de agosto e 4 de setembro de 1950, no qual recomendou-se, dentre outros pontos, o estímulo ao estudo das reminiscências africanas no país bem como dos meios de remoção das dificuldades dos brasileiros de cor e a formação de Institutos de Pesquisas, públicos e particulares, com esse objetivo.
Carlos Hasenbalg (1987), afirma em Santos (2005, p.24) que a agenda de reivindicações das entidades negras contemplava áreas como: racismo, cultura negra, educação, trabalho, mulher negra e política internacional. E na educação, dentre outras, as reivindicações eram contra a discriminação racial e a veiculação de ideias racistas nas escolas; por melhores condições de acesso ao ensino à comunidade negra; reformulação dos currículos escolares visando à valorização do papel de negros e negras na História do Brasil e a introdução de matérias como História da África e línguas africanas e pela participação dos/as negros/as na elaboração dos currículos em todos os níveis e órgãos escolares.
De acordo com Santos (2005, p. 25), pontos pautados pela histórica reivindicação dos movimentos sociais negros foram atendidos pelo governo brasileiro na segunda metade da década de 1990, a exemplo, da revisão de livros didáticos ou mesmo a eliminação de vários livros didáticos em que negros e negras apareciam de forma estereotipada representados/as como subservientes, racialmente inferiores, entre outras características negativas. Bem como as pressões anti-racistas e legítimas desses movimentos, políticos/as de diversas tendências ideológicas, em vários estados e municípios brasileiros, reconheceram a necessidade de reformular as normas estaduais e municipais que regulam o sistema de ensino.
Os movimentos sociais negros, bem como muitos intelectuais negros engajados na luta anti-racismo, levaram mais de meio século para conseguir a obrigatoriedade do estudo da história do continente africano e dos africanos, da luta dos negros no Brasil, da cultura negra brasileira e do negro na formação da sociedade nacional brasileira. [...] A lei federal, simultaneamente, indica uma certa sensibilidade às reivindicações e pressões históricas dos movimentos negro e anti-racista brasileiros, como também indica uma certa falta de compromisso vigoroso com a sua execução e, principalmente, com sua a eficácia, de vez que não estendeu aquela obrigatoriedade aos programas de ensino e/ou cursos de graduação, especialmente os de licenciatura, das universidades públicas e privadas, conforme uma das reivindicações da Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada em Brasília-DF, em agosto de 1986 (SANTOS, 2005, p. 34).
Destarte, podemos afirmar que a pressão dos movimentos sociais negros de intelectuais engajados/as na luta pela igualdade racial junto ao Estado brasileiro  ainda se faz necessária para que esta Lei seja executável. O Plano Nacional de Implementação/2008  ainda não conseguiu a institucionalização dessas leis. Portanto, efetivamente, ainda, não foram transformadas em política pública de educação.
A reflexão sobre as relações étnico-raciais deve está incorporada no planejamento escolar e na subjetividade dos agentes sociais que integram o cotidiano da escola. E são as instituições em nível municipal, estadual e federal que viabilizarão os objetivos de oferecer às professoras e aos professores informações e conhecimentos estratégicos para a compreensão e o combate do preconceito e da discriminação racial nas relações pedagógicas e educacionais das escolas brasileiras, em outras palavras do racismo brasileiro.
2.1.  Planejamento e as perspectivas  das leis étnico-raciais
O planejamento, seja em nível de projeto de ensino ou político-pedagógico, passa pela resistência de professores e professoras, cujo desafio é resgatá-lo como necessário e possível, como prática humana, tendo lucidez de seus limites (constrangimentos naturais, sociais ou inconscientes, concepções equivocadas) mas também de suas potencialidades  (tomada de consciência, elemento articulador da ação).
Segundo Vasconcelos (2010, p. 63-64), o processo de planejamento  busca re-significar, orientar e dinamizar o trabalho,  implicando investimento de tempo e, sobretudo, energias, crenças, valores, verdade, reflexão. Portanto, depende de sujeitos que assumam  a sua elaboração e  realização.
Ao caminhar ou trilhar as perspectivas das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 como um projeto a ser construído de forma interativa com os demais projetos da educação, precisamos de um ponto de apoio, uma referência para esse movimento. Nesse sentido, o planejamento pode ser  um instrumento teórico-metodológico de intervenção na realidade que possibilita romper bloqueios e apontar caminhos. Conforme Vasconcelos (2010, p. 75), a fim de fazer do planejamento Méthodos de Trabalho do educador (pessoal e coletivamente), como postura e como forma de organizar a reflexão e a ação. Assumido como forma de resgate do trabalho, de superação de alienação, de reapropriação da existência.
A interação dos conhecimentos culturais e históricos das etnias negra e indígena com o currículo da escola brasileira é tarefa dos/as educadores/as, mas estes/as nem sempre concebem ou internalizam esta necessidade, constituindo-se um obstáculo à operacionalização dessa prática que precisa ser elaborada a partir de análise da realidade e reflexão sobre os fins almejados. Isto quer dizer que, há a necessidade de despertar o interesse pela causa, independente da identidade étnico-racial docente, de gestores/as ou de especialistas, para que se desenvolva o desejo, a vontade consciente de elaboração e realização dessa prática. E a partir do conhecimento dessa realidade projetar a finalidade, esboçar o plano e agir. Conforme Vasconcelos (2010, p.69) esta elaboração no sujeito:
é justamente a articulação entre necessidade, objetivo e plano de ação, vale dizer, o que faz com que tenha conscientemente uma determinada ação é o fato de, a partir de sua interação com a realidade, ser criada nele uma necessidade, que o motiva a buscar algo (objetivo), de uma determinada maneira (plano de ação). [...] Muito sinteticamente, e numa primeira aproximação, podemos dizer que o que leva o homem a ter uma ação intencional é a necessidade que pode ser vista sob o prisma da vontade (relacionada a qualquer uma das dimensões da existência: física, afetiva, intelectual, estética, lúdica, espiritual, social, econômica, política, cultural, etc.), e/ou desejo (pulsão, tendência).(grifos do autor)
Ao planejar incluir os conhecimentos históricos e culturais relativos às etnias negra e indígena no currículo escolar, professores/as se sentirão instigados/as a querer, a desejar, a ter vontade, a mover esforço para sua realização, isto é, ao planejar a escola (professores/as, gestores/as, especialistas etc.) estará muito mais comprometida com o seu plano de mediação em decorrência da  intencionalidade de está capacitada a incluir no seu currículo tais  conhecimentos sem preconceito e distorções.
A implantação das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 coloca para a escola e professores/as a necessidade de assumir finalidades que questionam representações/conhecimentos/objetos culturais acumulados e reproduzidos no  currículo escolar contemporâneo, mas que afirmam outras representações, conhecimentos e objetos culturais  a serem apropriados pelas novas gerações, que no processo de inserção cultural passam a se produzir e a produzir cultura, também, numa nova perspectiva de significado de sua existência e identidade étnico-racial.
O plano de ação construído pela escola representará a sua forma de intervenção na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais, ou seja, por intermédio dessa  atividade reflexiva, projetiva e mediadora a escola terá um projeto intencional que além de operacional é também  político de intervenção na realidade. Entretanto, fazer o plano e não comprometer-se com a sua realização constituir-se-á como uma prática alienada.
Passados já quase 10 anos da promulgação da Lei nº 10.639/2003, obrigando o ensino da história e da cultura afro-brasileira e Africana na escola brasileira, constatamos que não bastou a finalidade inicial para garantir a unidade dialética concepção e ação, proposta na referida Lei. Basta analisarmos nossa própria prática, seja ela na escola básica ou de ensino superior. Os projetos político-pedagógico e/ou Institucional e as Diretrizes das Secretarias de Educação definem a inclusão da “Educação para as Relações étnico-raciais”, entretanto, ainda são tímidas as experiências de inclusão curricular (no âmbito do ensino),  ou seja, nos planos de cursos dos diversos níveis de ensino, elas se estabelecem mais no campo da pedagogia de eventos pela extensão e/ou de atividades extra-curriculares, podendo ocorrer num ano sim e em outros não, para uma turma ou outra... Isto quer dizer que os conteúdos da história e da cultura afro-brasileira e africana não conseguiram sair plenamente da condição de exilados do currículo e dos processos pedagógicos. Esse fato ainda ocorre por quê? Podemos presumir que não houve uma elaboração no campo das representações dos/as educadores (da escola), não ocorreu a passagem das ideias para a transformação da realidade. Muitos fatores se manifestam, constituindo-se como interferências, sejam pela captação inadequada das finalidades da lei ou pelas diferentes finalidades, concepções e representações dos sujeitos da instituição. Os conflitos são emergentes, inclusive, decorrentes de um processo global intencional de manutenção da realidade atual.
Na atualidade, o processo de escolarização não pode negar o trato pedagógico e ético à diversidade  expressa na vida da escola, de estudantes, de docentes, seja relativa aos costumes, comportamentos, gostos, etnias, crenças etc. Diante do questionamento de como lidar pedagógica e etnicamente com as diferenças, Nilma Gomes (2006, p. 29 -30) destaca:
“Aprender essa diversidade, conviver e enfrentá-la parece ser um receio da pedagogia e da educação escolar. (...) Se estamos de acordo que a escola ainda não conseguiu contemplar pedagogicamente essa diversidade, cabe-nos a tarefa de repensar as práticas, os valores, os currículos e os conteúdos escolares a partir dessa  realidade social, cultural e étnica tão diversa”.
Posturas equivocadas e preconceituosas de educadores e educadoras são motivadas pela ignorância corporificada na prática do currículo escolar que sempre se calou, impôs estereótipos, tratando de maneira preconceituosa e discriminatória as diferenças presentes na escola, e que, ainda, silencia diante do chamamento ao debate sobre as desigualdades sociais e étnicas em nosso país. 
Como afirma Nilma Gomes (2006, p.33) a respeito da  Lei no 10.639/2003:
A garantia na lei de as populações negras verem a sua história contada na perspectiva da luta, da construção e da participação histórica é um direito que deve ser assegurado a todos os cidadãos e cidadãs, de diferentes grupos étnico-raciais, e é muito importante para a formação das novas gerações e para o processo de reeducação das gerações adultas, entre estas, os próprios educadores.
Na verdade, já é tardia a hora de reagir ao imobilismo, à inércia diante das DCNs – ERER (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo oficial da rede de ensino) e de construir práticas pedagógicas que realmente expressem a riqueza das contribuições das matrizes  negra e indígena na formação da sociedade brasileira, uma vez que será na dinâmica social, no embate político, nas relações de poder, no cotidiano da escola e do currículo escolar que essa legislação tende efetivar-se ou não. Sendo importante refletir que explicitamente ou implicitamente, os grupos étnicos (negros, indígenas) constituem-se conteúdo curricular corporificados por discursos e narrativas particulares sobre os ditos ‘diferentes’.
No processo de mobilização da escola, a intervenção das equipes pedagógicas dar-se-á no sentido de fazer avançar o debate, capacitar a si e propor capacitação aos educadores e educadoras para de forma pedagógica e crítica inserir no currículo uma discussão profícua sobre as proposições das  DCNs - ERER, especificamente, sobre o segmento negro. De acordo com a Resolução CNE/CP nº 1, de 17 de junho de 2004, Art. 3o.,  § 2o: “As coordenações pedagógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para que os professores concebam e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.”
A equipe escolar (gestores/as  e especialistas) deverá articular todo o trabalho em torno da temática, mediar o processo de planejamento pedagógico e buscar o consenso entre os/as professores/as, em outras palavras  ser um interlocutor privilegiado junto ao professorado, refletindo e acompanhando o trabalho de aprendizagem mútua, superando práticas fiscalizadoras, de controle  formal e burocrático. A questão sempre recai no Méthodos de Trabalho, isto é, na articulação entre intencionalidade, realidade e mediação.
O Méthodos de Trabalho deve ser resultante da  articulação de intencionalidades político-pedagógicas  a partir do projeto educacional da Instituição. Esse processo de construção  do projeto didático, para a implantação das leis étnico-raciais requer pesquisa, integração e planejamento. E fazer planejamento significa refletir sobre esse desafio, perceber as necessidades, re-significar o trabalho, desenvolver postura de enfrentamento e comprometimento com essa prática e com as suas finalidades. A constituição desse esquema educativo toma desafio e impulso como oportunidades e demandas para a formação de um plano e método de ação. Um contínuo processo de formação e planejamento.
Nesse sentido, a equipe escolar tem papel fundamental de instigar professores e professoras a procurarem estudar, pesquisar e trocar experiências, pois na definição dos conhecimentos étnico-raciais no currículo espera-se deles/as postura, trabalho crítico e significativo. Os programas e respectivos conteúdos dependem de como são trabalhados para vir a ser significativos.  De acordo com Vasconcelos (2010, p.125), a capacidade de conhecer supõe agir conscientemente de acordo com finalidades e que a ação intencional corresponde a um plano de ação do sujeito. Desta forma, para que ocorra um autêntico projeto educativo este deve corresponder a um projeto ou a um encontro de projetos: projeto de ensino (professor/a) correspondente a um projeto de aprendizagem do/a estudante, vislumbrando a constituição pelo/a estudante do seu projeto existencial e profissional.
Ao tratarmos da efetivação das leis étnico-raciais, estamos tratando da efetivação de uma política nacional de educação, diante do exposto até o momento, o próprio governo tem que revitalizar o seu plano de mediação nas esferas municipal, estadual e federal. Segundo Vasconcelos (2010, p.88)
Não há lei previamente determinada que oriente todo o trabalho educacional. Há fatores comuns que permitem certo grau de previsão, porém não de forma absoluta, variando de acordo com as condições objetivas, peculiares.[...] A consciência tem que está atenta durante todo o processo, tendo em vista  as mudanças necessárias.[...] Os fins não são, portanto, produtos acabados, mas estão neste processo de interação com a realidade e as formas de mediação. Por isto também, é importante tentar fazer: ao tentar, conhece-se melhor a realidade, pode-se aquilatar melhor onde está a resistência. Não é viável, pois, aquela postura de se esperar  ter toda a certeza para só depois agir.
Contudo, a reflexão e a revitalização da prática estão, também, para a escola, como um processo de aprendizagem e de planejamento, cuja finalidade deverá incluir as proposições das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008. Não se faz necessário ser declarado negro, negra, índio ou índia para trabalhar na sala de aula a participação histórica dessas matrizes no processo civilizatório brasileiro. Professores/as são profissionais da cultura e não de um padrão único de estudante, de currículo, de conteúdo, de práticas pedagógicas, de atividades escolares. Todos, sem exceção, diferem em identidade étnica, nacionalidade, idade, gênero, crença, classe. Todas essas relações estão presentes na relação docente/estudante e entre professores/as.
É como sujeitos sociais, históricos, culturais que constituímos as diferentes presenças na escola, com a responsabilidade de tomarmos atitude diante da existência humana, re-significando a prática pedagógica, mesmo tendo que percorrer  caminhos ainda  não trilhados em busca da  superação de esquemas rígidos, desmonte  de dogmatismo, modificações no imaginário e representações coletivas negativas construídas historicamente sobre os ditos “diferentes”.  Isto implica a consciência de professor ou professora como sujeito coletivo e com capacidade de olhar para a própria história, passar em revista as suas ações, valores e opções políticas, romper com preconceitos e superar velhas opiniões formadas sem reflexão e sem o menor contato com a realidade do outro.
O planejamento articulado pela equipe escolar pode colocar-se como um suporte ao professor e à professora nesse processo de aprendizagem. Uma oportunidade de refletir antes de agir, durante a ação, e depois dela. A realização interativa prático-pragmática (empenho do sujeito quanto maior ou menor nível de intencionalidade e/ou pragmatismo) e a diagnóstica (análise crítica dos resultados, julgamento da ação), bem como a valorização das possibilidades criativas e transformadoras da realidade assumem uma importância no processo de planejamento, juntamente com as atividades reflexivas presentes na elaboração.
Nessa perspectiva, o projeto/planejamento configura-se como uma tarefa dedicada e decisiva, pois investe, arrisca e assume a utopia da transformação da realidade com a alternativa de intervir qualitativamente no currículo, na perspectiva da inclusão de conhecimentos sobre as matrizes étnico-raciais e suas contribuições para civilização humana, tornando-as atuais/presentes com a perspectiva de estarem presentes no futuro, contudo, sem precedente nas experiências educacionais do passado.
Essa dinâmica não pode ocorrer sem a participação. Planejamento e participação são necessidades humanas e qualificam o fazer da escola no sentido de fazer com que as coisas aconteçam. Quanto maior o nível de participação, maior será a chance de o planejamento ser realizado. Quem ajuda a construir está mais disposto a ajudar. Privilegia-se o processo. Daí a necessidade de planejamento participativo em que o sujeito da reflexão é também o sujeito da decisão, da ação e do usufruto.
Na perspectiva das dimensões atribuídas ao sujeito pelo processo de planejamento participativo discutiremos um pouco mais sobre a reflexão. A reflexão não interfere diretamente na realidade, nas condições objetivas, pois quem age sobre a realidade são os sujeitos, utilizando-se de instrumentos. Contudo sua ação está pautada num determinado nível de reflexão, pois a prática ocorre baseada numa significação (ideológica, interesseira, utilitária ou alienada). Na ação consciente dos sujeitos há sempre uma marca humana a intencionalidade consciente e orientada a um fim, mesmo quando a denominamos de alienada pela falta de qualidade destes. “Podemos dizer que a reflexão é uma mediação, ela pode agir ‘através’ do sujeito. Para quem deseja a mudança resta, pois, a possibilidade de interagir com a intencionalidade dos sujeitos, favorecer a interação entre eles, de forma a que possam ter uma ação pautada numa nova concepção. No entanto, esta interação não pode ser ingênua.” (VASCONCELOS, 2010, p.11)
Diante de obstáculos objetivos e subjetivos a reflexão vincula-se aos obstáculos da consciência (conteúdo: ideologias, preconceitos, bloqueios; forma: estruturas mentais, lógicas e estilos de pensar) constituindo-se como guia de intervenção sobre os obstáculos objetivos. “A reflexão tem, pois, por função propiciar o despertar do sujeito, além de capacitá-lo para caminhar (um conhecimento da realidade – Análise da Realidade, uma nova intencionalidade – Projeto de Finalidades, e um novo plano de ação – Formas de Mediação).”(VASCONCELOS, 2010, p.12)
Este processo se dá dialeticamente pela articulação de duas dimensões o convencimento e a intervenção.  Pelo convencimento o sujeito se dispõe para a ação, ao ter questionadas representações equivocadas, mitos e preconceitos, reelaborando suas representações e atribuindo importância a sua ação, reconhecendo-se enquanto sujeito mediador e, de uma forma não necessariamente sequencial, a intervenção se dá na prática que se quer transformadora, ao  entender o contexto, projetar objetivos e alternativas para a intervenção, isto é,  na construção de um caminho viável para a ação. Quando falta  lucidez  do processo de alienação, de desorientação, de falta de compreensão e de domínio das várias manifestações da existência, o  professor ou a professora torna-se o objeto  de manipulação, em função dos interesses de minorias dominantes e não se compreende capaz de operacionalizar práticas transformadoras, como também não compreende a implicação do seu trabalho.
Como sujeito afetivo, ético, estético, lúdico, físico, espiritual, social, econômico, cultural e político o ser humano tem a capacidade estimular o seu querer, poder e saber (fazer e ser) e,  desta forma, potencializar  a sua capacidade de transformar de intervir e de vislumbrar possibilidade de mudança. E assim ser sujeito da história - agir sobre si mesmo, sobre as condições reais da existência e enfrentar os poderes estabelecidos -, pois planejar enseja um exercício de poder, seja pelo saber produzido, seja pelas relações, negociações que vão se estabelecendo no decorrer do mesmo. A própria dinâmica da escola e seus processos de regularidades sociais como as legislações, as rotinas organizacionais e espaços educacionais predeterminados podem ser obstáculos à mudança.
A insistência em tomar o planejamento como instrumento teórico-metodológico na implantação das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 nas unidades escolares brasileiras deve também ser levada a efeito no processo de formação da nova geração de professores/as, especificamente, intensificada nas formações  continuadas dos que estão em exercício.
Já existe uma produção acadêmica e didática significativa sobre os conteúdos propostos pelas referidas leis, inclusive com publicações no Portal do MEC, a exemplo de Livro de Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-raciais – SECAD (2006) ao mesmo tempo em que já se formulam críticas por parte do movimento negro sobre as abordagens desenvolvidas nos livros didáticos produzidos por determinadas editoras. O cuidado é o de não cairmos na reprodução alienada em sala de aula de conteúdos que não refletirão as definições das Diretrizes Curriculares da Educação para as Relações Étnico-raciais (leis nº10.639/2003 e nº 11.645/2008). Imaginemos esse fato aliado ao processo de desgaste da categoria docente e ao seu despreparo para lidar com a etnografia, além do que  na perspectiva do planejamento o livro didático estabeleceu-se como uma compensação a dificuldade do/a professor/a preparar bem suas aulas, e não é difícil prever que a indústria do livro didático, em curto prazo, dará conta desse mercado,  apresentando uma gama de conteúdos prontos, sem uma análise mais aprofundada por parte de especialistas da academia e dos movimento étnicos, a serem meramente copiados, principalmente, por professores/as (escola) sem uma prática efetiva de planejamento.

2.2. Abordagem pedagógica dos conhecimentos étnico-raciais
Um ponto importante nessa discussão é a abordagem pedagógica do conhecimento relativo à história e à cultura afro-brasileira, africana e indígena no currículo da escola brasileira. É preciso extrapolar a perspectiva e conceber o objeto desse conhecimento que está em pauta, mas que não compôs a gama de conhecimentos e saberes acadêmicos da formação de professores e professoras desse país, incluindo os de História, Literatura e Arte, enfatizados na legislação.
Agora, de forma individual e coletiva, esses profissionais estão sendo convocados a atenderem ao chamamento das leis étnico-raciais, em que deverão fazer articulações disciplinares, inter/transdisciplinares e críticas no processo pedagógico. Deverão elaborar e realizar Projetos de Aprendizagem significativos com a finalidade de aprofundar conhecimentos juntamente com os/as estudantes sobre a temática. Projetar finalidades/intencionalidade. Fomentar o desejo do grupo (sala de aula). Formular objetivos de ensino. Resgatar valores civilizatórios e conhecimentos étnico-raciais exilados do currículo da escola brasileira.
Desta maneira, ao mesmo tempo em que professores e professoras planejam a inclusão  no currículo dos conteúdos relativos a contribuição das matrizes negra e indígena na formação da sociedade brasileira provocam o próprio processo de desalienação e  do currículo. Ao terem mais lucidez sobre os objetivos, buscarão capacitarem-se para mais esse papel, desenvolverão metodologias adequadas e criativas. Ao passo em que, também, se abre a possibilidade de recuperar, ainda que tardiamente e em parte, a dignidade das diversas identidades étnicas e diferentes presenças humanas no espaço escolar.
Não dá para supor que por existir a lei, esteja garantido o direito das etnias negra e indígena terem as suas contribuições históricas e culturais incluídas no currículo escolar. Precisamos de objetivos correspondentes a essa nova perspectiva: coerentes, reais, vivos, concretos que superem aqueles eurocêntricos, formais, estereotipados e excludentes. Nesse sentido, a prática deve corresponder à consciência e à vontade de se contrapor a concepção eurocêntrica do currículo (determinação geral).
Ao se tratar de educação o estabelecimento de objetivos permite uma postura ativa do sujeito, pois se constitui base para a elaboração de estratégias de ação. Eles perpassam o projeto educativo da escola, da unidade de trabalho, do plano de curso, da área, da disciplina ou de um determinado conteúdo.
Então, para a efetivação no currículo das proposições e definições contidas nas leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008 não existe o melhor caminho, a questão constitui-se sempre no Methodos de Trabalho, na articulação entre intencionalidade, realidade e mediação. Esse processo requer definição e apropriação dos conteúdos expropriados do currículo, elaboração de um plano de ensino (realidade, finalidade e plano de mediação) e a sua realização interativa (espaço de trabalho coletivo, organização da coletividade de sala de aula e registro/memória), além do reconhecimento das dimensões individuais - intelectual, física, afetiva, ética, estética, lúdica, religiosa – ou mais sociais e étnicas do sujeito. Isto porque “no processo de constituição das pessoas (valores, percepção, memória, afetos etc.), a convivência, o grupo de trabalho desempenha função muito importante. (VASCONCELOS, 2010, p. 114)
2.3. Organizações sociais  na luta pela igualdade racial
O Terceiro Setor, constituído por um universo diverso de organizações - fundações, ONGs (organizações não governamentais), associações comunitárias, comissões de defesa do consumidor e muitas outras -, integra essa luta pela igualdade racial e pela inclusão de excluídos na sociedade, oportunizando-lhes a cidadania. Além de sua importância política e social as ONGs vinculam-se à redefinição das relações entre o Estado e a sociedade. Representam uma forte demanda por participação social nas decisões públicas. Buscam universalizar valores éticos, produzir conhecimento e cultura, qualificar a luta da população e gerar novos comportamentos e sensibilidades. Dentre essas organizações que integram os movimentos sociais muitas têm forte militância no movimento negro.
Nacionalmente, dentre outros, o Projeto Axé – Salvador-BA, se constitui um patrimônio pedagógico, uma inscrição social, cuja proposta pedagógica vem deixando um lastro de inclusão, com o apoio de uma ONG italiana, cuja finalidade é prestar serviços de educação e defesa de direitos à criança e adolescente em circunstâncias especialmente difíceis.
De acordo com Macedo (2000, p.67-68), desde o início do Axé, estava claro o sentimento de exclusão que os estudantes vivenciavam, expresso na condição racial (negra) e social, nos estigmas e falta de perspectiva de futuro e foi considerando essa realidade que a proposta pedagógica tomou a cultura de origem desses estudantes como seu suporte, sua fonte vital de energia e de desejo de superação dessa realidade. Essa cultura tomada como estratégia sociológico-pedagógica de inclusão social, através da apropriação, pelos/as estudantes, de seus signos e símbolos, de forma positiva, se faz na perspectiva de alteridade, do reconhecimento das diferenças, da diversidade e da singularidade de grupos e indivíduos da complexa teia social, atentando-se, também, para o fato de que a cultura é permeável e de que não se pode querer atrelar estudantes a valores dogmáticos particulares e exclusivistas, tolhendo-lhes a liberdade e o sentimento de universalidade a que têm direito. Na perspectiva do projeto Axé, “trabalhar manifestações de arte articuladas à história e à cultura  das quais se é portador, reforça a dimensão de si mesmo e do mundo ao redor de cada um o que, por sua vez, dá a consciência do poder de se transformar o mundo e nesse processo, universalizar-se.” (MACEDO, 2000, p.69)
A realização da política regulamentada nas leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, isto é, tirar as suas definições do papel pressupõe a abertura e a manutenção de um diálogo com a tradição cultural e étnica, pessoas, movimentos sociais e instituições que atuando em diferentes áreas de conhecimento/ação, possam somar no sentido da implantação destas leis.
As instituições devem deflagrar esse processo de permanente diálogo interno e externo, tornando-se permeável às ideias que articulam à sua volta, promovendo seu enriquecimento - parcerias com outras organizações sociais, instituições públicas ou privadas -, bem como viabilizar a formação de Núcleos que disponibilizem conteúdos, informações para o universo de professores/as e de estudantes que articulem com as organizações sociais permanentes diálogos entre o saber popular e o científico.
3. CONSIDERAÇÕES  FINAIS
De acordo com as proposições de  Vasconcelos (2010, p. 161), vivemos numa sociedade que  desagrega as dimensões humanas, a exemplo do trabalho, relacionamento afetivo, consciência, religião etc., uma fragmentação da vida e do saber  como estratégia de perpetuação da classe dominante. Portanto, uma renovação da estrutura escolar deve permitir o encontro, a reflexão, a ação sobre a realidade, numa práxis libertadora, com a conquista de espaços coletivos, a exemplo do espaço frequente de reunião pedagógica, pois o que desanima a categoria docente é justamente a não continuidade do processo de planejamento.
A pauta decorrente do processo de implantação das leis étnico-raciais nas escolas brasileiras impõe a tomada de decisão, tempo para reflexão mais apurada, trabalho coletivo/interdisciplinar, material didático correspondente, maior cobrança social de conteúdos deste segmento e um processo de formação contínua no sentido de superar práticas reiterativas do currículo eurocêntrico, uma forma de ocupar bem o espaço coletivo da reunião pedagógica, de núcleos estruturantes de cursos superiores e núcleos étnico-raciais institucionais.
No entanto, todo esse processo requer uma liderança pedagógica atenta a realidade e as necessidades a serem colocadas como desafio coletivo, visando a tomada de consciência e definição  de formas de enfrentamento, em outras palavras esse processo requer efetivamente um planejamento participativo, pois “as ideias se enraízam a partir da tentativa de colocá-las em prática. Vai-se ganhando transparência à medida que se vai tentando mudar e refletindo sobre isto, coletiva e criticamente” (VASCONCELOS, 2010, p.165), considerando a escola no seu conjunto.
É importante destacar proposições coletivas, envolvendo estudantes sobre as expectativas político-educacionais da lei nº 10.639/2003 nos Institutos Federias, especificamente, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB. Representações/proposições elaboradas no 3º Fórum de Lideranças Negras da Paraíba “Juventude Negra - Educação, Saúde, Cultura e Economia Solidária para a Promoção da Igualdade Racial”, que nesta edição aconteceu no IFPB/Campus Campina Grande, no período de 12 a 14 de abril/2012, uma iniciativa da Malungus – Organização Negra da Paraíba, para avaliação e busca pela efetivação das políticas de promoção da igualdade racial para o povo negro, a exemplo do que determina a Lei 12.288/2010 - do Estatuto da Igualdade Racial. O referido encontro potencializou a articulação, organização e protagonismo da juventude estudantil, assim como a valorização de ativistas do movimento negro brasileiro, em especial paraibano, promovendo o diálogo entre o saber social (da comunidade), o saber científico e política social.
Sem desconsiderar as importantes contribuições sobre Saúde, Cultura e Economia Solidária, enfatizaremos as proposições aprovadas pela plenária do referido fórum, oriundas do Grupo de Trabalho: Políticas de Educação para a Igualdade da Juventude Negra, composto majoritariamente por estudantes de diversos Campi do IFPB:
1- A princípio proporcionar condições à formação de  grupos de estudos sobre Educação das Relações Étnico-raciais e história e cultura afro-brasileira e africana em cada Campus do IFPB, contemplando estudantes, professores/as e especialistas, gestores/as, profissionais de apoio, pesquisadores/extensionistas e representantes da comunidade e de movimentos sociais e étnicos.
2- Implantar institucionalmente os Núcleos de Estudos sobre Educação das Relações Étnico-raciais,  História e Cultura Afro-brasileira, Africana e Indígena (NEABI ou NERER) propostos pela legislação vigente,  em cada Campus do IFPB, na mesma constituição dos grupos de estudos.
3 - Formação continuada com o desenvolvimento de temáticas étnico-raciais (capoeira, capoterapia, influência de conhecimentos da matriz africana na ciência e na tecnologia) para professores, gestores e funcionários de apoio.
4 - Na implementação da Lei 10.639/2003, os Institutos Federais  poderão incluir nos planos pedagógicos  e orçamentários a figura do “Professor convidado/tutor” para assessorar equipes docente e pedagógica no desenvolvimento de conteúdos  de Matriz Africana e sua influência científico-tecnológica.
5 - Ao se trabalhar os conteúdos da religião de matriz africana,  o/a professor/a deverá ser assessorado/a diretamente  pelo sacerdote e/ou sacerdotisa (sem proselitismo), uma vez que sobre esse tema recai toda um carga histórica negativa de intolerância, desconhecimento e preconceito por parte da sociedade.
6 - Incluir as cotas raciais nos processos seletivos dos Institutos Federais/Universidades do País  e nos respectivos programas de benefícios estudantis.
7 - Expandir o projeto caminhos da escola para facilitar a permanência dos estudantes ingressos pelas diversas  cotas.
8- Incluir nos planos orçamentários, financeiros, verbas para participação de estudantes em eventos intercampi dessa natureza dentre outras.
A aproximação destes estudantes, professores e especialistas com a temática  étnica negra nesse fórum correspondeu,  certamente,  a alguma necessidade desses sujeitos no seu processo de desenvolvimento, ajudando-os  a compreenderem tal realidade e a formularem seu projetos de aprendizagem e/ou didáticos a respeito dessa temática, isto é, um plano de ação mental do sujeito. Analogamente, o projeto do/a professor/a deve provocar uma ação significativa, atitude de projeto nos/as estudantes, criando necessidades, gerando finalidades e plano de ação, interagindo e acreditando neles/as, nas suas potencialidades.

4 – REFERÊNCIAS
FLORES, Elio Chaves. Nós e eles: etnia, etnicidade, etnocentrismo. In Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Zenaide, Maria de Nazaré Tavares, et al.  Editora Universitária/UFPB, 2008.
GOMES, Nilma Lino. Educação e Diversidade Étnico-cultural. In: BRASIL. Diversidade na Educação: reflexões e experiências. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica. 2003. p. 70-76.
__________________. Diversidade  cultural, currículo e questão racial: desafios para a prática pedagógica. In ABRAMOWITCZ, Anete. BARBOSA, Ma de Assunção. SILVÉRIO, Valter R.(org.). Educação como prática da diferença. Campinas, SP: 2006. p. 21-40.
Leis nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003 e  nº11.645 de 10 de março de 2008
MACEDO, Marle de Oliveira. O cenário da Exclusão Social – uma tentativa de desconstrução. In Plantando Axé: uma proposta pedagógica. REIS, Ana Maria Bianchi (org.) et al.São Paulo. Editora Cortez. 2000. (p.47-75).
MEC – Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.
MEC/BID/UNESCO - Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília. 2005.
NASCIMENTO, Abdias. O Quilombismo: documentos de uma militância panafricanista. Petrópolis: Vozes, 1980.
REIS, Ana Maria Bianchi (org.) et al. Plantando Axé: uma proposta pedagógica. São Paulo. Editora Cortez. 2000.
SANTOS, Sales Augusto dos. A lei nº 10.639/03 como fruto da luta anti-racista do Movimento Negro. In Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. MEC/BID/UNESCO - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília. 2005.
VASCONCELLOS, Celso dos S. Coordenação do trabalho pedagógico: do projeto político-pedagógico ao cotidiano da sala de aula. 11a ed. São Paulo: Libertad Editora, 2009.
_____________________________. Planejamento: Projeto de Ensino-Aprendizagem e Projeto Político-Pedagógico elementos metodológicos para elaboração e realização. 21 ed. São Paulo: Libertad Editora, 2010. Cadernos Pedagógicos do Libertad, v.1
ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares, et al. Direitos Humanos: capacitação de educadores. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, 2008.


[1] Texto submetido a Coordenação Geral de Relações Étnico-Raciais, Inclusão e Diversidades do CEFET-MG, Editora CRV e Diretoria de Extensão do CEFET-M para integrar um livro sobre Práticas Extensionistas: Relações Étnico-Raciais, Políticas de Inclusão, Gênero e Diversidades. 


[2] Maria José Pereira Dantas,  Pedagoga com habilitação em supervisão escolar e especialista em educação tecnológica – UFPB/CEFET-PB. Professora da Educação Básica I, no Sistema de Ensino Municipal – PMJP (1988-2012)  e pedagoga na Rede Federal de Educação Tecnológica - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba – IFPB (1995-2012). Mestranda  em Ciências da Educação da Universidade Tecnológica Intercontinental - UTIC – Paraguai. E-mail: mrjsdantas@gmail.com. Celular (83) 8805 6722.


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