Gestão na Educação: de um modelo estático para um paradigma dinâmico

Adaptado por Maria José Dantas

do texto Gestão escolar e formação de gestores
Heloísa Lück*
*Doutora em Educação pela Columbia University, New York; coordenadora nacional da Rede Nacional de Referência em Gestão Educacional do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Renageste/Consed); diretora do Centro de Desenvolvimento Humano Aplicado (Cedhap/Curitiba).


A gestão na educação tem sido alvo de muita atenção no contexto da educação brasileira, não devendo mais ser concebida a luz de um enfoque limitado de administração.

Para garantir o avanço dos processos socioeducacionais dos estabelecimentos de ensino a gestão na educação pressupõe a combinação de dois princípios básicos a atuação objetiva das condições materiais e a mobilização dinâmica e coletiva do elemento humano, ou seja, constitui-se uma dimensão e um enfoque de atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a articulação de todas as condições materiais, e a dinamização da competência humana, sinergicamente organizada, condições básicas e fundamentais para a melhoria da qualidade do ensino e a transformação da própria identidade da educação brasileira e de suas instituições.

O contexto atual, de transformação socioeconômica e cultural, exige da gestão escolar a realização de objetivos avançados, um modo de ser e de fazer caracterizado por ações conjuntas, associadas e articuladas, bem como o direcionamento e a mobilização capazes de sustentar e dinamizar a cultura das escolas, de modo que sejam orientadas para resultados.

Sem esse enfoque, os esforços e gastos são despendidos sem muito resultado, caracterizada por uma prática, recente, de buscar soluções tópicas, localizadas e restritas, quando, de fato, os problemas da educação e da gestão escolar são globais e estão interrelacionados.

Concebendo que a gestão é uma dimensão e um enfoque de atuação, um meio e não um fim em si mesmo, a competência fundamental do gestor é agir conjuntamente em todas as frentes, por intermédio da gestão escolar observar a escola e os problemas educacionais globalmente, e buscar abranger, pela visão estratégica e de conjunto, bem como pelas ações interligadas, tal como uma rede, os problemas que, de fato, funcionam de modo interdependente, além de ser capaz de tomar decisões fundamentadas e resolver conflitos.

O surgimento de um novo paradigma está vinculado à mudança significativa do modo como vemos a realidade e de como dela participamos, estabelecendo sua construção. Nessa perspectiva, a consciência de que o autoritarismo, a centralização, a fragmentação, o conservadorismo e a ótica do dividir para conquistar, do perde-ganha, estão ultrapassados, por conduzirem ao desperdício, ao imobilismo, ao ativismo inconseqüente, a não responsabilização por atos e seus resultados e, em última instância, à estagnação social e ao fracasso de suas instituições.

Essa mudança de paradigma é marcada por uma forte tendência à adoção de concepções e práticas interativas, participativas e democráticas, caracterizadas por movimentos dinâmicos e globais, com os quais, para determinar as características de produtos e serviços, interagem dirigentes, funcionários e clientes ou usuários, estabelecendo alianças, redes e parcerias, na busca de soluções de problemas e alargamento de horizontes. Em meio a essa mudança, não apenas a escola desenvolve essa consciência, como a própria sociedade cobra que o faça. Um novo desafio -- organização da escola, articulação de seu talento, competência e energia humana, de recursos e processos - Trata-se de uma experiência nova, sem parâmetros anteriores para a qual devemos desenvolver sensibilidade, compreensão e habilidades especiais. Isso porque tudo que dava certo antes está fadado ao fracasso na nova conjuntura (Drucker, 1992).

Era considerado bom diretor quem não fugisse ao estabelecido em âmbito central ou em hierarquia superior, diretor tutelado dos órgãos centrais, desresponsabilizado dos resultados de suas ações e respectivos resultados. Concepção com fundamentação teórica de caráter mais normativo, determinada pelo princípio de certo-errado,completo-incompleto, perfeito-imperfeito. Método de administração científica, orientado pelos princípios da racionalidade limitada, da linearidade, da influência estabelecida de fora para dentro, do emprego mecanicista de pessoas e recursos para realizar os objetivos organizacionais, da fragmentação e redução dos processos educacionais a tarefas exercidas sem vida e sem espírito. Também associada a esta concepção é o entendimento de que o importante é fazer o máximo (preocupação com a dimensão quantitativa) e não o de fazer o melhor e o diferente (preocupação qualitativa).

Dada, no entanto, a crescente complexidade das organizações e dos processos sociais nelas ocorrentes, caracterizada pela diversificação e pluralidade de interesses que envolvem, e a dinâmica das interações no embate desses interesses, não se pode conceber sejam elas geridas pelo enfoque limitado da administração científica, pelo qual, tanto a organização, como as pessoas atuando em seu interior, eram consideradas como componentes de uma máquina a ser manejada e controlada de fora para dentro.

A transição de um modelo estático para um paradigma dinâmico

Os sistemas educacionais, como um todo, e os estabelecimentos de ensino, como unidades sociais especiais, são organismos vivos e dinâmicos, fazendo parte de um contexto socioeconômicocultural marcado não só pela pluralidade, como pela controvérsia que vêm, também, a se manifestar na escola., na dinâmica da rede de relações, em decorrência do que o trabalho, como prática social, passa a ser o enfoque orientador da ação de gestão realizada na organização de ensino.

É possível afirmar que, tendo em vista o momento de transição entre esses dois enfoques, a escola se defronta muitas vezes, ainda, com um sistema contraditório em que as forças de tutela ainda se fazem presentes, ao mesmo tempo em que os espaços de abertura são criados, e a escola é instigada a assumir ações para as quais ainda não desenvolveu a competência necessária.

Portanto, a escola e seus dirigentes se defrontam com a necessidade de desenvolver novos conhecimentos, habilidades e atitudes para o que não dispõem mais de modelos e sim de concepções.

Um novo paradigma emerge e se desenvolve sobre a educação, a escola e sua gestão, não existe nada mais forte do que uma idéia cujo tempo chegou, em vista de que se trata de um movimento consistente e sem retorno. E a idéia que perpassa todos os segmentos da sociedade é a que demanda espaços de participação (Lück, 1999) associados aos quais estão, inevitavelmente, os esforços de responsabilidade.

Há de se dar conta, no contexto da escola, da multiculturalidade de nossa sociedade, da importância e riqueza dessa diversidade, associados à emergência do poder local e reivindicação de esforços de participação.

Em decorrência da situação exposta, muda a fundamentação teóricometodológica necessária para a orientação e compreensão do trabalho da direção da escola, que passa a ser entendido como um processo de equipe, associado a uma ampla demanda social por participação.

Esse paradigma é marcado, sobretudo, por uma mudança de consciência a respeito da realidade e da relação das pessoas na mesma. Se assim não fosse, seria apenas uma mudança de modelos. Essa mudança de consciência está associada à substituição do enfoque de administração, pelo de gestão.

Cabe ressaltar que não se trata de simples mudança terminológica e sim de uma fundamental alteração de atitude e orientação conceitual.

Portanto, sua prática é promotora de transformações de relações de poder, de práticas e da organização escolar em si, e não de inovações, como costumava acontecer com a administração científica.

A partir de tais pressupostos, emerge o entendimento de que professores, equipe técnico-pedagógica, funcionários, alunos, pais, comunidade, todos, não apenas fazem parte do ambiente cultural, mas o formam e constroem, pelo seu modo de agir, em vista do que, de sua interação dependem a identidade da escola na comunidade, o seu papel na mesma e os seus resultados.

A mudança de consciência implica o reconhecimento desse fator pelos participantes do processo escolar, de sua compreensão ao seu papel em relação ao todo, uma vez que, como lembra Peter Senge (1993, p. 29),”Quando os membros de uma organização concentram-se apenas em sua função, eles não se sentem responsáveis pelos resultados.” E essa percepção setorizada tem sido a responsável pelo fracionamento e dissociação das ações escolares e conseqüente diluição do seu trabalho e dos seus efeitos.

Segundo este novo paradigma, entende-se que os problemas são globais e complexos, em vista do que ações locais e tópicas, em desconsideração ao conjunto de que fazem parte, são ações inconseqüentes, no sentido de transformar a escola e mover sua prática social voltada para o desenvolvimento.

Portanto, tal entendimento implicaria a realização de ações conjuntas, para as quais todos os participantes do contexto escolar Em acordo com esses pressupostos, um diretor de escola é um gestor da dinâmica social, um mobilizador e orquestrador de atores, um articulador da diversidade para dar-lhe unidade e consistência, na construção do ambiente educacional e promoção segura da formação de seus alunos.

Para tanto, em seu trabalho, presta atenção a cada evento, circunstância e ato, como parte de um conjunto de eventos, circunstâncias e atos, considerando-os globalmente, de modo interativo e dinâmico.

Tal atitude garante a possibilidade de que pense grande e aja no pequeno. (Klink, 1993), isto é, que em suas ações localizadas tenha em mente o conjunto todo da escola e seu papel educacional, não apenas imediato, mas de repercussão no futuro, em acordo com visão estratégica e com amplas políticas educacionais. Implica ter uma visão da escola inserida em sua comunidade, a médio e longo prazo, com horizontes largos.

É no contexto desse entendimento, que emerge o conceito de gestão escolar, que ultrapassa o de administração escolar, por abranger uma série de concepções não abarcadas por este outro, podendo-se citar a democratização do processo de construção social da escola e realização de seu trabalho, mediante a organização de seu projeto político-pedagógico, o compartilhamento do poder realizado pela tomada de decisões de forma coletiva, a compreensão da questão dinâmica e conflitiva e contraditória das relações interpessoais da organização, o entendimento dessa organização como uma entidade viva e dinâmica, demandando uma atuação especial de liderança e articulação, a compreensão de que a mudança de processos educacionais envolve mudanças nas relações sociais praticadas na escola e nos sistemas de ensino.

É a partir dessas questões que conceitos como democratização e autonomia da escola se tornam não apenas importantes, mas imprescindíveis.Cabe, portanto, estudá-los e compreendê-los.

Veja texto  original

texto Gestão escolar e formação de gestores

LÜCK, Heloísa. Gestão escolar e formação de gestores. Em aberto. Brasília. Vol.17, nº 72. fev-jun. 2000
DERKOSKI, Ms. João Luiz. Material Didático - IES Instituto Superior de Educação do Vale do Juruena. Juina – MT. www.ajes.edu.br(consulta julho/2010)